UM INSTANTE DE DELICADEZA


Sempre gostei de acompanhar os trabalhos de formatura das escolas teatrais cariocas e mineiras. Nesses trabalhos podemos encontrar o melhor e o pior que cada escola oferece. Também gosto de acompanhar o que pensam e o que querem as novas gerações de atores. Isso transparece claramente na cena. Pode-se ver um pouco de tudo isso e muito mais nesses trabalhos de formatura. Criei minhas predileções a partir do contato com os muitos colegas de trabalho e a Escola de Teatro Martins Pena está no topo das minhas preferências no Rio de Janeiro. Na minha estatística pessoal e empírica de mais de quinze anos de trabalho  incessante, os atores oriundos dessa escola são os que têm a visão e a postura mais coletiva e cooperativa do fazer teatral e os mais abertos a ousadias cênicas. É o caso do espetáculo UM INSTANTE QUE DESAPARECEU, em cartaz no Teatro Armando Costa.
Dirigido pela atriz colombiana Carolina Virguez o espetáculo é construído mesclando depoimentos pessoais dos atores com contos de Gabriel Garcia Marquez para dividir com o público uma reflexão livre e lírica sobre o tempo, a finitude e a permanência. O ponto forte desse trabalho não está nos depoimentos pessoais mesclados a obra do escritor colombiano, mas na forma que esse encontro é feito. De uma forma madura e tranquila a diretora propõe um tipo de jogo cênico diferente do registro das atuações impositivas que parece ser o único registro possível para muitos atores e atrizes . O teatro aqui não é um cavalo selvagem que precisa ser domado com urgência, mas sim conquistado  com intensa suavidade. A ousadia da diretora, com aceitação evidente e corajosa dos atores, está em levantar um espetáculo de cadência lenta apostando na delicadeza, fora das fórmulas e do ritmo que estamos habituados. É uma opção arriscada. O espetáculo poderia facilmente cair na monocordia e na monotonia. Não é o que acontece. Entendendo o jogo e o risco, os atores alcançam rara harmonia coletiva  para deixar o espetáculo sempre na temperatura certa. Ao mesmo tempo cada ator é dono e senhor do seu trabalho e do seu(s) momento(s) na peça,como geralmente acontece quando se trabalha com depoimentos pessoais. A escolha  pelo tom tranquilo de contadores da própria história tira o público do lugar de simples espectadores e os transforma em cúmplices dos muitos instantes que o espetáculo abriga. A reflexão proposta não vem da catarse. Todos parecem entender uma das muitas sabedorias dos contadores de história; contar histórias não é somente dividir e compartilhar um momento.É um gesto ao mesmo tempo pessoal e coletivo de encontrar-se consigo mesmo. Saí de casa para ver mais um espetáculo de formatura sem desconfiar desse reencontro. Sem suspeitar que de uma forma sutil, secreta e profunda; eu faria parte desse INSTANTE. E se falo agora mais de valores humanos do que de questões teatrais é porque o teatro ofertado pelos artistas e técnicos de UM INSTANTE QUE DESAPARECEU cumpriu a verdadeira função teatral. Me tornou um pouquinho mais humano.

UM INSTANTE QUE DESAPARECEU cumpre nos dias 14 e 15 de setembro o último fim de semana de uma bem sucedida temporada de dois meses no Teatro Armando Costa na própria escola.A entrada é gratuita. Sábado às 20h e domingo às 19h. Recomenda-se chegar com antecedência. As sessões estão lotando.


Bruno Peixoto Cordeiro

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