A PLÍNIO MARCOS



Em um tempo de nenhuma liberdade (não muito distante) ele deu voz a dor e ao jeito de falar de um povo que raramente entrava nos teatros. Nesse tempo (não muito distante) de nenhuma liberdade, ele conseguiu a façanha de ter todos os seus textos teatrais censurados durante vinte anos. E nesse tempo de nenhuma liberdade, ele nunca deixou de escrever. Suas peças eram feitas clandestinamente. As poucas exibições permitidas eram com os teatros cercados pela polícia. As outras exibições, eram feitas secretamente para poucos que se arriscavam a vê-lo. Um dia ao encontrar com um censor ousou questioná-lo:

- Por que minhas peças são sempre censuradas?

- Por que suas peças são pornográficas e subversivas.

- Mas por que são pornográficas e subversivas?

- São pornográficas porque tem palavrão. E são subversivas porque você sabe que não pode escrever com palavrão e escreve.

Nunca se calou. Era o porta-voz de quem sempre vivia sem voz. Foram décadas de nenhuma liberdade no país do carnaval e futebol.  Suas peças não gritavam pela derrubada do sistema. Elas apenas mostravam a dor e a impotência de quem vivia subjugado a esse sistema. Eu lia ontem um pequeno libreto em sua homenagem quando me atentei para o dia. 19 de novembro é o dia em que tantos ficaram sem a sua voz. Nenhuma menção. Nenhuma publicação. Ah Brasil, até quando você vai viver desprovido de memória?

Hoje com tanta liberdade tudo que ele escreveu continua real e atual. Hoje com tanta liberdade, tem muito artista se vendendo pra não fazer a arte que devia estar fazendo, e fazia há alguns anos atrás. Hoje com tanta liberdade, tem muito artista se calando pra não dizer o mesmo grito por justiça que dizia alguns anos atrás. A liberdade mudou,mas injustiças continuam. Plínio Marcos continua maldito. Não tem mais a censura veemente e esdrúxula do governo. Tem a censura silenciosa e sutil do “mercado”.  Essa grande massa chamada mercado que muitos julgam acéfala e casual, mas que é repleta de um pensamento que busca tornar tudo homogêneo, belo e vazio. Nas margens desse pensamento que domina teatros, museus e cinemas, os personagens de Plínio Marcos continuam vivendo. Continuam matando por um par de sapatos. Continuam sofrendo nos presídios. Continuam agredindo e sendo agredidos sem saber por quê.

Tanta liberdade... E continuamos calando e aceitando o que devíamos contestar. Por isso, não é surpresa que no dia 19 de novembro poucos se lembrem de você. Fui dormir ontem, meu caro Plínio,escrevendo esse texto na minha cabeça. E te entrego com carinho a minha lembrança. Essa lembrança um pouco constrangida por chegar atrasada. Essa lembrança um pouco constrangida por também me calar. Calar a minha arte e o que deveria contestar em um tempo de tanta (?) liberdade. Mas quero que saiba que seu exemplo continua falando em mim. Continua alimentando minha indignação (ainda tímida). Nada do que você falou mudou. Mudou o tempo. Antes, você sabia contra o que e quem lutava. Hoje tudo parece mais difícil e traiçoeiro. Hoje ficou mais fácil corromper a arte que devíamos fazer. Hoje ficou mais fácil esquecer. E com tudo isso, eu queria apenas te dizer, nesse espaço singelo, pequeno e pouco visto de onde tento refletir, o que todos os artistas querem ouvir,mas apenas poucos conquistaram o direito.


Você não foi esquecido.


Bruno Peixoto Cordeiro

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