DIARIO DE TREINAMENTO

Essa semana, completo um mês de treinamento contínuo com base nas oficinas que fiz nos últimos anos com o Grupo Moitará e com Roberta Carreri. Um mês de treinamento solitário procurando dar novos rumos ao meu trabalho de ator e pesquisando na prática o conceito de autonomia do ator para um futuro trabalho. Já posso tirar algumas conclusões. Aprendo na prática o que antes era apenas teoria. Nesse mês, estou lidando diretamente e sem filtros com três sensações poderosas: fracasso, cansaço e solidão. O contraditório é que tudo têm sido de um enorme aprendizado. Começo a entender a postura sóbria e humilde de muitos grandes atores com que pude conviver e que dedicaram seus trabalhos na busca da dramaturgia própria do ator. O caminho é realmente árduo e lidar constantemente com o próprio fracasso tira muito da vaidade do ator. As poucas conquistas reais vêm depois de horas de treino e sabemos que elas são mais frutos do suor do que do talento. Horas de transpiração para alcançar minutos de inspiração. O que surge de mais interessante surge quando ultrapasso o cansaço. É algo que sempre li nos livros e que muitos atores também relatam. Descobrir isso na prática cobra algo novo do ator. Uma exigência e um comprometimento maior com o próprio trabalho e com a preparação e cuidado corporal. O treinamento é quase cruel ao expor de forma clara e contundente todos os clichês de atuação que construí desapercebidamente ao longo dos anos. Nenhum desses clichês me serve mais, porém sei que ainda viverei com eles durante um tempo, como também sei que o processo de desconstrução deles será mais longo do que desejava. É quase um processo de reeducação teatral. A solidão do trabalho torna a rotina dos treinos mais árida. É um exercício novo manter a disciplina e o foco no trabalho quando ninguém mais te espera, ninguém mais te provoca, ninguém mais te estimula. Mais um aprendizado. Há momentos em que me pergunto o que estou fazendo sozinho em uma sala de ensaio em uma caçada existencial para encontrar um trabalho que por enquanto só interessa a mim. São momentos em que o cansaço e a solidão parecem vencer. Nesse momento, redescubro a importância dos mestres. O mestre sempre está presente de alguma forma. Tive a ventura de encontrar os meus. Eles não estão por perto e nem sabem que estou nessa pesquisa. Mas a gratidão a eles pelos horizontes que eles me mostraram é tamanha que assumi um compromisso pessoal de não desdenhar esses horizontes. Nenhum deles me cobrou novos horizontes. Nem cobrará. Mas sinto que a melhor forma de agradecê-los é esta. Esses horizontes estão distantes ainda. Tudo ainda é começo, sem promessas de meios e fins. Nada do que tenho feito e sentido é realmente novo e original. Nada me agrada ainda realmente. Nesse sentido, estou integrado a tradição de outros tantos atores que enveredaram por caminhos parecidos e com o tempo redescobriram sua arte. É isso que me estimula. A oportunidade de redescobrir uma arte que amo tanto fazer. Estou reaprendendo a andar. Jogando fora o que nunca quis e o que nunca precisei. Selecionando cuidadosamente o que quero levar para os meus futuros trabalhos e cuidando com mais cuidado da alma que esses futuros trabalhos merecem ter. A impressão é a de saber pouco e intuir muito. A sensação é que há muita sabedoria escondida nessa impressão. Sigo essa sensação. O caminho é árduo, mas é honesto, claro e transparente. Não vai me enganar. Tento não criar expectativas em resultados. Tento não criar expectativa nenhuma. Alimento esperanças com pequenas e múltiplas gotas de suor.


Bruno Peixoto Cordeiro

Comentários

  1. Lindo relato Brunão!
    Nossa arte pode acabar narcisismo se não aprendemos a lidar com o fracasso e a dor!
    Vou passar mais por aqui, me fez bem!
    Beijo quem te adora (depois que a gente divide palco eterniza a relação), Lita

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  2. Oi Bruno. Só hj li La Barca com calma, como desejava. Estou à espera da Lia e nesses momentos sozinha comigo, pude entrar no site. Parabéns, ele está muito bom. Quanto ao relato acima, sofri um pouco quando li porque não consigo desassociar teatro de coletividade. Fico pensando nesse desafiador caminho solitário que vc tem buscado (muito mais por necessidade do que por vontade, sei disso!) e não sei se eu seria tão corajosa! Foi muito bom ter te visto ontem. Grande beijo.

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