SOBRE MESTRES, DISCIPULOS E PROFESSORES I


POSSÍVEIS CONDIÇÕES



Primeira lembrança: O olhar. Sempre atento, dosando calma e intensidade na medida certa. Segunda lembrança: O silêncio que precedia um falar que sempre transcendia as preocupações que cada espetáculo produzia. Terceira lembrança: A capacidade de ver angústias secretas e sintetizá-las (com afeto e cuidado) em poucas palavras. Quarta lembrança: A capacidade de ver o que ainda está camuflado ou invisível e de apontar caminhos. 

Professor é aquele que domina um conhecimento. Um mestre se deixou dominar por esse conhecimento e se coloca a serviço dele. Professor é quem ensina. Um mestre transmite o que vive e viveu. Um professor vive apenas um período em nossas vidas. Um mestre está sempre presente, mesmo quando distante. Um professor tem uma linha de trabalho. Um mestre tem uma filosofia de vida, e seu trabalho reflete essa filosofia. Um professor trabalha contra o tempo. Um mestre trabalha com o tempo. Um discípulo não sabe lidar com o tempo. Um mestre não escolhe o discípulo, é escolhido por ele. É escolhido pela real necessidade dele. E sim, um discípulo por vezes está tão confuso em seu caminho que muitas vezes não sabe que escolheu um mestre. Mas o mestre sabe que foi escolhido. Um discípulo não sabe o que busca. Mas desconfia. E está sempre em processo de busca. Um mestre não se prende a resultados. Sabe que a alma humana guarda muitas possibilidades e que o resultado de suas ações é abrir caminhos para que essas possibilidades aconteçam. E se ele ajudar nisso, bons resultados virão, mesmo que não sejam o resultados que o discípulo espera.  
Não tomem isso que digo como pequenas verdades absolutas. São apenas pequenos detalhes que pude observar e viver ao longo dos anos. É um tema que sempre dedico muita atenção. Demorei muitos anos até encontrar mestres e sei na pele a falta que me fizeram. Vejo também, isso refletido em muitos atores que começam a tatear o teatro. É o tipo de relação que está se perdendo. Há muita pressa em aprender técnicas e conceitos. Uma urgência de apreender o máximo possível no mínimo tempo e uma preguiça de unir reflexão e prática. Penso que essa tendência torna o teatro mais vazio. Não o teatro-resultado, a peça nova que entra em cartaz. Mas o teatro que deveria viver e pulsar dentro de cada ator. O teatro que continua depois que a peça acaba. Já falei sobre a vocação do teatro para a utopia. Essa vocação favorece uma outra vocação ainda mais bela e necessária, a vocação para o infinito. O mestre desperta nossos sentidos para o infinito. Para a busca infinita do ator que precisamos ser. Um ator que realmente não viveu um período com um mestre estará em cena mostrando o resultado de um processo. E pode ser um belo resultado. Um ator-discípulo estará comungando com o espectador de uma busca artística que começou antes daquele processo e que continuará muitos anos depois.  Sua presença cênica é completamente diferente e o espectador percebe isso. 
Esse ator nos mostra um pedaço de infinito. 
E esse ator só existe e se perpetua com a presença do mestre. Relembrar da real importância dessa relação é cuidar para que o fenômeno efêmero que aparenta ser o teatro continue mantendo sua vocação de nos mostrar o que pode estar além do horizonte.


Bruno Peixoto Cordeiro

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