Isso é a América


Atahualpa del Cioppo, um dos diretores do grupo El Galpón, em frente a Sala 18 de Mayo, conquistada pelo grupo no retorno do Exílio. 1986.

OS QUE VIERAM ANTES DE NÓS
EL GALPÓN

Parte 2 – Início

ISSO É A AMÉRICA

Um coletivo teatral é feito de homens, mulheres e lideranças. Por mais horizontal e democrática que seja a sua forma de organização. Ao voltar os olhos para os primórdios do El Galpón percebe-se a importância fundamental de inúmeros nomes que ajudaram a consolidar o que hoje é uma instituição do teatro latino-americano, mas que surgiu como um movimento, ou melhor, foi fruto de um importante movimento – o Movimento de Teatro Independente uruguaio.
  
Estamos entre as décadas de 1930 e 1940. O que é um dado importante que sinaliza um certo pioneirismo do teatro uruguaio em buscar ideias e práticas teatrais que só viriam a ser citadas no teatro brasileiro entre os anos de 1950 e 1960. O Movimento de Teatro Independente uruguaio reivindicava um Teatro que não fosse pautado pelas exigências do teatro comercial, onde a decisão do que se levar a cena era feita por produtores e patrocinadores, e onde os atores profissionalizados viviam em constante inconstância em seus empregos. Aqui já há outro dado de particular interesse histórico. O Movimento de Teatro Independente vinha das bases do Teatro Amador uruguaio. Mais do que isso: o amadorismo como modo de produção era fundamental para o desenvolvimento e aprofundamento técnico, artístico e social desse fenômeno. Cabe ressaltar, que, nesse caso, a dicotomia entre Teatro Profissional x Teatro Amador não é uma livre associação entre um teatro de maior excelência (o senso comum escolheria o “profissional”) por um teatro de baixa qualidade (o mesmo senso comum escolheria o “amador”).  A escolha entre Teatro Amador e Teatro Profissional, nesse caso, é uma escolha de quem detém os meios de produção e como essa escolha determina não somente um determinado repertório artístico, mas também, um entendimento diferente de que Teatro deveria ser feito e qual seria a sua relação com o público.

Atahualpa del Cioppo descrevia o amplo Movimento de Teatro Independente como um movimento com três pressupostos básicos: a busca por uma excelência na forma artística, um teatro profundamente humano e um teatro com um sentido histórico que pudesse participar de um desenvolvimento ideológico, ou seja, um teatro que problematiza o tempo todo a relação Arte e Política e sua intervenção na sociedade. Um dos grupos mais atuantes nesse período pertencentes ao Movimento de Teatro Independente era o Teatro del Pueblo, que tinha em Manuel Dominguez Santamaría uma de suas principais lideranças. Um outro grupo de intensa atividade e inserção social  surgiu de uma iniciativa ainda mais singular – a Isla de Niños – idealizado por Atahualpa del Cioppo em 1936 e que merece uma especial atenção. Da união desses dois grupos, nasce El Galpón, no ano de 1949.



Atahualpa del Cioppo no início de sua trajetória teatral.


Atahualpa del Cioppo nasceu em 1904 como Americo Celestino del Cioppo Fogliaccio. Já carregava a América no nome, mas mesmo assim batizou-se de Atahualpa quando iniciaram suas atividades artísticas no início dos anos 1930, como poeta, crítico e diretor. Filiado ao Partido Comunista uruguaio era vinculado a diversos segmentos da sociedade engajados em uma luta contra o fascismo em um período pré-II Guerra de extrema tensão social e constante luta ideológica. Unido a setores mais progressistas da Igreja Católica idealizou e implementou em 1936 o grupo La Isla de Niños, um grupo teatral formado por crianças e jovens. A função primeira do grupo não era a formação de atores e atrizes, mas sim, o uso do Teatro no processo de formação de crianças e adolescentes para a formação de um espectador crítico do Teatro do futuro. Ou seja, já havia nessa formulação o entendimento de que a renovação artística do Teatro (e sua consequente inserção na sociedade) não viria apenas da iniciativa de seus artistas, mas da participação de um público mais crítico e exigente na definição dos seus rumos. 

Para o senso comum La Isla de Niños fazia Teatro Infantil. Na realidade, fazia Teatro de Formação. Já havia na abordagem de seu repertório diversas características que mais tarde os seus realizadores iriam identificar com a abordagem do Teatro Épico de Bertolt Brecht. Um Teatro Épico feito por crianças para crianças e seus pais. Com o tempo, La Isla de Niños estava cada vez mais inserida dentro das demandas, da ideologia e do modo de atuação do Movimento de Teatro Independente e participou decisivamente na criação de um novo público que dava ao Movimento de Teatro Independente o seu devido respaldo social, tirando o Movimento da armadilha enganosa de atuação localizada apenas em guetos artísticos e criando parcerias claras entre esse Movimento e os setores mais progressistas da sociedade uruguaia. Com o tempo, os niños e niñas que começaram essa trajetória em 1936 cresceram. Em 1946,  La Isla de Niños transforma-se em La Isla. Três anos depois unem-se ao Teatro del Pueblo para formarem o El Galpón.

Entre os anos 1950 e 1960 o El Galpón se caracterizaria como um grupo de intensa atividade aprofundando em seu fazer teatro os princípios basilares herdados do Movimento de Teatro Independente e dos dois grupos que se uniram para formá-lo, aliando e amadurecendo não somente um compromisso com a excelência artística em suas montagens, mas, sobretudo, com a clareza ideológica e ética de sua abordagem. Em 1957 entraram em contato pela primeira vez com a obra de Bertolt Brecht e fizeram as primeiras montagens de Brecht em solo uruguaio – A Opera de los Centavos (1957) e Círculo de Giz Caucasiano (1959), ambas dirigidas por Atahualpa del Cioppo. Sobre esses primeiros contatos com o dramaturgo alemão, o maestro uruguaio diria que “Já fazíamos Teatro Épico antes de conhecê-lo. Assim como nós, Brecht não quer mudar o Teatro, quer mudar a Vida. Por isso, muda o Teatro. O nosso compromisso é o mesmo. Um Teatro que trabalha pela auto-emancipação não de um homem, mas de todo um setor social”. 



                                  Atahualpa del Cioppo transforma-se em uma referência para todo o Teatro                                                                                   Latino-Americano


A montagem de Círculo de Giz Caucasiano é outro marco na trajetória do grupo. Pela primeira vez, o grupo se apresenta fora do Uruguai e realiza uma bem sucedida turnê na Argentina. Era o início de um processo que iria se aprofundar nos anos 1960 e que seria fundamental para a experiência do Exílio nos anos 1970. O El Galpón se afirmava como um dos grupos mais atuantes e influentes da América Latina e tinha em Atahualpa del Cioppo um maestro que influenciaria gerações de artistas e coletivos em diversos países da América Latina; artistas e grupos com o mesmo compromisso na busca de um Teatro de maior intervenção na vida social. No Brasil, essa influência e essa troca de saberes e fazeres seria feita primeiro com artistas vindos do Rio Grande do Sul como Fernando Peixoto, Antonio Abujamra e Paulo José e se estenderia, principalmente, aos artistas envolvidos na experiência do Teatro de Arena e do Oficina em São Paulo e do Grupo Opinião no Rio de Janeiro.
  
Os anos 1960 trazem outro importante marco. A conquista de uma nova sede em um longo processo que envolveu uma intensa participação popular. Nessa década, as mesmas tensões sociais que transformariam o grupo em um alvo preferencial dos setores mais conservadores do Uruguai, aprofundariam a sua relação com um público atuante na luta contra esses mesmos setores. O pequeno Studio que serviu como sede nos seus primeiros anos tornava-se pequeno demais. Em 1962 inicia o processo de arrendamento do antigo Cine Palace, em Montevidéu.  Sem nenhum apoio governamental iniciam as obras para a sua transformação em um Teatro de 600 lugares. Com a falta de dinheiro, os próprios atores e atrizes transformam-se em pedreiros e carpinteiros. Não estavam sozinhos. São organizadas inúmeras campanhas para a compra de material para obra e equipamentos que envolveu os setores mais progressistas da sociedade uruguaia em um longo processo de 7 anos. O Teatro 18 de Júlio fica pronto em 1969 e estreia com uma das grandes montagens do grupo: Sr Puntila e seu criado Mati, de Bertotl Brecht, com direção de Atahualpa del Cioppo. Até 1976 a Sala 18 de Júlio seria palco da intensa luta do grupo com os setores mais conservadores da sociedade e com a ditadura que se estabeleceria em 1973. O mesmo decreto que interrompeu as atividades do grupo em 1976, levando parte dos seus integrantes ao exílio, parte para a clandestinidade e outra parte a prisão; também fechou de forma definitiva a sala 18 de Júlio. É do ator e diretor  Dervy Vilas, um dos relatos mais significativos sobre a conquista desse espaço:

Tuvimos que desmantelar todo el cine, porque la estructura de un cine es distinta a la de un teatro e hicimos esa platea escalonada que tiene ahora la sala grande. Esa sala fue construida no solo por la gente de El Galpón sino por muchos trabajadores carpinteros, herreros, pintores que se ofrecían generosamente a venir a trabajar gratis para construir la sala, después de su horario habitual de trabajo, venían a ver en que tareas podían ayudar. Así se hizo El Galpón (que se inauguró en 1969) y con la ayuda económica de la población de Montevideo: rifas, bonos.

No hubo dinero algún dado por el gobierno.

Esa es una obra de la gente de El Galpón

y del pueblo uruguayo.



Os que Vieram Antes de Nós
El Galpón – Uruguay
Parte 2: O Início
Isso é a América

Próxima postagem em 20 de abril relatando o retorno do El Galpón do exílio no México.

  
Referências Bibliográficas:

EL – GALPÓN – Narrador do sonho latino-americano.
Yaska Antunes.
Revista URDIMENTO n°11. Dezembro de 2008.

Raízes e Sementes: Mestres e Caminhos do Teatro na America Latina
Miguel Rubio Zapata

Atahualpa del Cioppo
Entrevista do maestro uruguaio ao ator e diretor Dervy Vilas

Grupo Galpão – Imagens de uma História
Do El Galpón ao Galpão
Relato de Paulo José

Comentários

Postagens mais visitadas