ENCONTRANDO ANTÔNIO: das saudades que não sabemos - por Sabine Mendes Moura
BREVE APRESENTAÇÃO
Como sempre dissemos, o blog do coletivo teatral En La Barca
Jornadas Teatrais é um espaço aberto de produção de pensamento aos que desejam
colocar sua voz sobre o papel político e social do fazer teatral e como isso se
reflete na escolha de caminhos estéticos, nos temas escolhidos, na relação com
o público e nas influências criadas pela mentalidade de mercado na produção
artística.
Para nós da En La Barca Jornadas Teatrais, essa contribuição da
companheira Sabine Mendes Moura é considerada como uma risca de giz. Até esse
momento, os textos aqui publicados foram feitos pelos dois coordenadores desse
coletivo teatral - Anna Fernanda e Bruno Peixoto. Ver outros profissionais
contribuindo nesse espaço é um sinal de maturidade do nosso trabalho.
Finalizamos essa breve apresentação reforçando nossa concepção de
coletivo teatral como um espaço feito por pessoas interessadas na função social
do teatro e de como o teatro deve agir e pensar sobre os problemas do seu
tempo. Ou seja, nesse entendimento, o espaço do coletivo teatral abriga não
somente artistas e equipe técnica, mas também, produtores de pensamento de
outras áreas.
Encontrando Antônio: das saudades que não sabemos
Cheguei
cedo ao espaço que me acolhia sem iludir, onde Bruno, meu amigo de anos e sua
companheira, Anna, se concentravam para fazer a apresentação de Antônio.
Sentei-me nas cadeirinhas brancas de plástico, daquelas de churrasco e festa, e
escutei a trilha que haviam posto para tocar: canto, conto e voz, naquela
gravação ruidosa, naquilo que, me parecia, um dia, fora uma fita cassete e,
agora, era arquivo em um tablet sobre a mesa do lugar. Agora, era um arquivo de
voz em looping. A voz de Antônio. E, de certa forma, aquela voz era um silêncio.
Antônio de Gastão se apresentava e eu, a princípio, não lhe disse "muito
prazer". Verdade que não lhe disse nada, apenas ouvi. Já percebia que
Antônio não seria uma peça, nem proeza de nenhuma companhia, mas um encontro
com raízes há muito esquecidas. E, talvez, dai viesse o silêncio e a comoção
que brotou quando, dando seguimento à história, leu-se a nota de falecimento de
Antônio Barros da Cruz.
Antônio Barros da Cruz, nosso Antônio de Gastão, nas gravações de suas músicas. foto: Acervo Museu do Folclore.
Não foi uma peça, embora houvesse
peças. Peças quase de museu - fotos, uma rede, uma réplica de mala, bonecos que
Antônio (e tantos outros) confeccionavam - trazidos à vida em uma composição
delicada de vozes. Havia o relato do pescador-artista, homem de Cabo Frio, e os
relatos das pessoas de sua terra, cuidados, colhidos na lida, no trabalho
cotidiano e ressignificados pelo trabalho do corpo dos dois jovens atores.
Havia o estudo do pesquisador da UERJ que dedicou sua vida à ler e (re)conhecer
Gastão, o professor. Havia a presença de Amena Mayall, que (des)cobriu os olhos
da cidade grande para a beleza da narrativa da terra, cabofriense, brasileira
que era e é a arte de Antônio. E, como explicar, que, nesse teatro-documento,
tendo a foto de Amena em mãos e vendo Anna falar como Amena, no lugar da ilusão
e do distanciamento, se produziu, em mim, a saudade?
Essa saudade chegou a seu ponto máximo,
quando verbalizada por um dos bonecos, empunhado por aquele meu amigo-ator.
Observei que, nesse momento, uma criança entrou para assistir à peça, sentou-se
com sua mãe e já não conseguia parar de olhar para o colorido lúdico da
presença que se anunciava. Não foi uma habilidade ilusória de ventríloco, não
foi um texto hiperfantasioso, foram frases simples as que nos chamaram para a
brincadeira. E comovi-me, uma vez mais, pensando no quão longe tenho estado
dessa casa que é meu povo, desse códigos e símbolos que ressoam dentro de mim
mal enlutados, e que precisam ser chorados e resgatados em meio a montanhas de
vanguardices e enlatados.
Antônio de Gastão com um dos seus bonecos. Mala original usada por Antônio de Gastão nas inúmeras apresentações que fez na Região dos Lagos. fotos: Acervo: Museu do Folclore
Peço desculpas, desde já, pois fui
convidada a fazer uma leitura/resenha crítica do espetáculo, mas, como diria
Oswald de Andrade, outras das vozes convidadas pela companhia à roda: "A
gente escreve o que ouve, nunca o que houve." Eu sou artista, professora,
mãe e, primeiro, tive de ouvir um silêncio. Um luto. Depois, ouvi a história de
um povo. E não apenas ouvi, mas experimentei o que diz o subtítulo da peça:
memória é trabalho. Ouvi minha memória trabalhar, encorajada pelo trabalho de
memória de meus amigos. De Anna e de seu companheiro. De Gastão e Amena. Muito
prazer, enfim.
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