pequena metáfora sobre o estar "en la barca"

...Como se preparasse uma velha receita de família. Como se essa velha receita familiar

se tornasse a sua receita pessoal. E essa receita pessoal surgisse de ingredientes de um

pomar onde o ator é o próprio jardineiro. E desse jardim o ator colhe os ingredientes

para preparar um banquete. Um banquete teatral. Banquete, não no sentido da

opulência, mas no sentido do sagrado e do compartilhado. Como o pão dividido na

santa ceia. Como a fome compartilhada entre tantos artistas buscando algo mais de

nosso ofício. Colha-se no jardim os ingredientes plantados em tantos anos de suor e

labuta teatral: escolha o fermento da história a ser contada com cuidado (é a partir

desse fermento que a massa cresce), doses generosas de intenso treinamento físico

baseados nos princípios do Odin Theatret, mais uma boa dose de livre exercício da

autonomia do ator na criação da dramaturgia do próprio trabalho, uma pitada de dança

e outra de canto. Leve ao forno quente da sala de ensaio. Observe cuidadosamente o

crescimento da massa. Deixe o tempo agir. Ouça a intuição para tirar do forno. Ponha

a mesa. Ofereça aos convidados. A fome é de todos. Receba o vinho e a água que lhe

oferecerem. Receba as flores no centro da mesa, receba a doçura da sobremesa. Observe

se a fome de todos está sendo saciada. Todos que estão na mesa são importantes. Com

todos saciados e satisfeitos, prepare mais desse pão. Faça as malas. Escolha mares e

estradas. E leve ao mundo...

Bruno Peixoto Cordeiro