LUGAR DE CABEÇA LUGAR DE CORPO

LUGAR DE CABEÇA LUGAR DE CORPO 


A extração da pedra da loucura 
Hieronymus Bosch

Por que a loucura?Por que o louco?Por que a mulher? 
Ao iniciarmos o processo de pesquisa sobre a loucura, muitas histórias de mulheres começaram a surgir. Não pode ser o acaso e, sim, o reflexo de uma cultura social que abafou e tentou calar a presença feminina da história e que, paradoxalmente, é a mesma ação que enaltece a força da mulher. Histórias que continuam existindo e resistindo apesar do tempo.
Histórias de mulheres que viveram vidas inteiras em hospícios e sanatórios simplesmente por não cumprirem ou não se adequarem aos “padrões de normalização” impostos à mulher daquela época.
Considerando os prontuários dos séculos XIX e XX, dos hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, os motivos de internação variavam entre mulher que se separou do marido, mulher que não aceitou o noivo escolhido pela família, mulher que escrevia livros, mulher que engravidou, mulher que desobedeceu o pai ou o patrão, que cantava demais ou até mesmo casos em que o marido decidiu ficar com a amante e, por isto, internou a esposa num hospício.
Em geral, esses motivos eram apoiados em declaração de familiares ou pessoas próximas, sem necessariamente ter um diagnóstico clínico que relacionasse essa mulher a um quadro de distúrbio psíquico. Eram mulheres internadas contra a própria vontade pelos pais, irmãos ou maridos, demonstrando a forte relação patriarcal, marcante nas relações sociais dos últimos séculos.

"Por trás de toda loucura há um conflito social." 
Francisco Basaglia

O louco é o que está do outro lado, no hospício, cercado por muros, longe de nós. Longe de colocar em risco a nossa razão.
Que razão? Quem deve estar lá e quem deve estar cá? Por que estes lados? Pra quê?

Parece-me que toda a humanidade é responsável pela doença mental de cada indivíduo. Só a humanidade toda evitaria a loucura de cada um. Que fazer para que todos lutem contra isso?” 
Maura Lopes Cançado

Diante de questionamentos como esses, foi inevitável não trabalhar estas referências em nosso processo. Duas forças, duas potências, duas formas de estar no mundo, de olhar o mundo. O louco e a mulher encaram a história de uma sociedade, que apoiada nos padrões de normalização, os coloca em seu lugar.
Lugar?


"Pelo chão você não pode ficar. Porque lugar de cabeça é na cabeça. Lugar de corpo é no corpo. Pelas paredes você também não pode. Pelas camas você também não vai poder ficar. Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar. Porque lugar de cabeça é na cabeça - Lugar de de corpo é no corpo." 
Stela do Patrocínio

LUGAR:

·         Posição, posto considerado apropriado para alguém ou como lhe sendo devido.
·         Disposição ou posição das coisas nos espaços que lhe são reservados.
·         Espaço livre
·         Condição, situação, posição

Norteados pelo trabalho de uma mulher que revolucionou a história da psiquiatria no Brasil, Nise da Silveira, mergulhamos num processo que permite nos desprender de possíveis convicções e nos colocar em tantos outros lugares. Sem a pressa ou a pretensão de definir um lugar, de colocar ideias, pensamentos ou pessoas em espaços e conceitos pré-determinados.
Nise foi uma mulher que, sendo mulher, encarou sistemas sociais e políticos de saúde e enfrentou a ciência contrariando a agressividade de tratamentos utilizados contra os pacientes, como eletrochoque, choques de cardiozol e insulina.


“É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade."
Nise da Silveira

A riqueza de encontrar com a história e o trabalho realizado por ela nos possibilitou descobrir lugares, de estar, ocupar e olhar para diferentes lados. Praticar um olhar não violento sobre as coisas e as pessoas. Tomar para si a responsabilidade de cuidar do outro e entender que a loucura questiona a política pública de saúde e é uma questão social e, portanto, sua.


“Isso aqui é um depósito dos restos. Às vezes é só resto e às vezes vem também descuido. Resto e descuido. Eu não tenho ódio de homem nenhum. Eu tenho é dó.”
Estamira Gomes de Souza

Atravessar o muro é um pequeno passo e é esse passeio por lugares, cabeças e corpos que desejamos compartilhar através desse projeto.

Somos todos lugares, cabeças e corpos que não devemos ser divididos entre um lado e outro do muro.

Atriz e Produtora 
Formada pela CAL - Casa das Artes de Laranjeiras/RJ e 
pela Escola de Dança Angel Vianna/RJ.


Danielle Oliveira



Anna Fernanda





 LUGAR DE CABEÇA LUGAR DE CORPO

Agosto de 2017
produção e idealização DANIELLE OLIVEIRA
co-produção EN LA BARCA JORNADAS TEATRAIS
colaboração MARCELO VALLE
pesquisa, roteiro e criação ANNA FERNANDA, BRUNO PEIXOTO e DANIELLE OLIVEIRA
roteiro documental feito a partir de escritos, relatos e entrevistas de 
ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO 
ESTAMIRA GOMES DE SOUZA 
LIMA BARRETO 
MAURA LOPES CANÇADO 
NISE DA SILVEIRA  
STELA DO PATROCÍNIO.



AGRADECIMENTOS
Espaço Travessia - Núcleo de Cultura Ciência e Saúde
Instituto Municipal Nise da Silveira

Comentários

Postagens mais visitadas