ENCONTROS EN LA BARCA
Sobre Encontros En
nossa Barca
por Bruno Peixoto Cordeiro
Ator e Coordenador da En La Barca Jornadas Teatrais.
Integrante da Companhia Ensaio Aberto.
No fim do mês de julho
e no início do mês de agosto de 2015, os coordenadores da En La Barca Jornadas
Teatrais retornaram a Cabo Frio, ninho teatral onde começaram seus primeiros
passos artísticos, para uma jornada de três dias de aprendizado teatral
envolvendo atores de cinco grupos da Região dos Lagos; companheiros de ofício
do Grupo Creche na Coxia, Trupe Andarilhos, Cia Teatral Casa dos Azulejos, Cia
Entre Palcos e os queridos do TCC – Teatro Cabofriense de Comédia, mais jovem
grupo teatral da região, nascido diretamente do trabalho de militância
artística exercido pelo amigo Jiddu Saldanha, meu parceiro nas jornadas
teatrais que realizei em Cabo Frio quando lá vivi.
“Em
cada ator deve haver um encenador”. Meyerhold.
Foi o projeto-piloto do
nosso ENCONTROS EN LA BARCA, série de atividades ministradas pela atriz e
companheira Anna Fernanda e por mim. O projeto tem objetivos simples. Criar um
espaço de reflexão prática, debate aberto e troca de técnicas e aprendizados
entre grupos, coletivos e artistas independentes com trabalhos artísticos
continuados. A metodologia é simples e se divide em duas partes. Na primeira
parte, ministramos para os atores parte do nosso treinamento cotidiano feito a
partir dos princípios do ator meyerholdiano e do nosso estudo da obra de Pina
Bausch. Em seguida mostramos como aplicamos esses conceitos físicos na (re) criação
das cenas do nosso repertório recente, o espetáculo PEQUENOS MISTÉRIOS e a
esquete ESTUDO PARA PEQUENOS MISTÉRIOS. Esse treinamento e esses princípios de
trabalho visam a trabalhar no ator o que Matheus Lima, irmão e colaborador
artístico, chama de AUTONOMIA ARTÍSTICA DO ATOR. Essa idéia defende o exercício
de um ator mais propositivo e autoral na criação artística e na relação com a
direção de cada trabalho. O ator como co-pensador do espetáculo junto com a
direção. Um ator capaz de formular e defender com a direção os conceitos
artísticos, sociais e políticos de um espetáculo. A segunda parte,
completamente aberta ao público, consiste na apresentação desse repertório. É
onde entra em cena, a dinâmica de troca com a platéia, e podemos pensar e exercitar
na prática do conceito do quarto criador defendido por Meyerhold; conceito
libertário que dá a platéia o status de espectador ativo. O espectador ativo é
o indivíduo que age sobre o ator na mesma medida em que é agido por ele. Ao
contrário do que possa parecer, o conceito de quarto criador está longe de
qualquer ranço acadêmico. Seus melhores exemplos remontam às formas mais
populares de teatro, o teatro de feira, a comédia dell` arte, enfim, o teatro
em sua essência mais pura, onde a relação ator-platéia era feita da forma mais
direta, livre e viva possível; longe dos padrões de “bom comportamento” de um
público burguês.
“O
público é o quarto criador”. Meyerhold.
Foi no final da
primeira parte desse projeto, antes da noite de apresentações públicas do nosso
repertório, na roda de avaliação que fizemos com os atores participantes, que
tivemos certeza da importância e da necessidade de iniciativas como essa. A
avaliação mais importante não partiu de mim, nem de Anna Fernanda, nem de
nenhum dos atores envolvidos. Foi dita por uma colega que nos acompanhou
silenciosamente e que soube registrar belos instantes dessa jornada, a
fotógrafa Mariana Ricci. Ela reconheceu no nosso ENCONTROS um lugar onde os
artistas possam estar em um lugar de plena troca de vivências, técnicas e
aprendizados; com os atores compartilhando de forma mais livre e desarmada, os
inúmeros anseios da profissão. Foi além, e em um belo desabafo, criticou a
forma como muitos grupos e artistas se isolam e se criticam; ao invés de se
fortalecerem e se estimularem em seus múltiplos projetos e linguagens. Em tudo
isso que ela falou, ela me representou e para mim, sua avaliação foi repleta de
lucidez. O ENCONTROS, como foi pensado, concebido e executado, tem como
objetivo apontar caminhos e espaços onde a classe artística possa se congregar
o. O que Mariana observou e apontou sobre os grupos e artistas cabo-frienses
está longe de ser um privilégio de lá. Acontece em níveis ainda maiores e ainda
mais competitivos na relação dúbia dos atores e grupos cariocas entre si, que
consegue mesclar ao mesmo tempo admiração e desdém. Pessoalmente, considero que há poucos
espaços reais para trocas, debates, reflexões e encontros entre os companheiros
de ofício e os lugares onde isso poderia ser feito melhor, como muitos festivais,
se perdem em debates viciados pelos formatos competitivos de muitos desses
eventos. O ENCONTROS é uma forma propositiva e generosa de responder e atuar
nesse cenário tão complexo e minado, não somente criticando, como também,
apresentando novas sugestões para que a classe artística se relacione em um
ambiente mais cooperativo.
“Antes
de tudo é preciso ser a favor de alguma coisa. O artista, por ser crítico por
natureza, constantemente perde tempo sendo contra algo. Não lutem contra algo,
lutem a favor”.
Ariane
Mnouchkine.
Nem sempre é fácil
voltar pra casa. Ainda mais para nós que viemos nos arriscar nas searas
teatrais cariocas buscando ampliar nossas formações e aprofundar a autoralidade
de nosso fazer teatral com os companheiros do Rio de Janeiro. Há sempre uma
mútua expectativa nossa e de nossos colegas. Lidar com esse tipo de expectativa
pode ser castrador ou libertador. Pode criar pontes ou abismos. Pode recriar
laços ou gerar nós. Ao abrir as portas do seu espaço para tantas gerações de
artistas, com desejos artísticos tão distintos, o Grupo Creche na Coxia, com
seus mais de 30 anos de história, reforçou seu papel de pilar e referência para
os artistas da região, e para os seus muitos filhos espalhados pelo mundo. Para
nós do En La Barca, fica a certeza de que laços foram renovados, novas
parcerias foram apontadas e afinidades estéticas e ideológicas foram
reconhecidas. E que a possibilidade de novos ENCONTROS podem surgir a qualquer
momento em nossas agendas.
“Ensinar
não é produzir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção.” Paulo Freire.
A nossa iniciativa com
o ENCONTROS EN LA BARCA nos abre a possibilidade de novos caminhos de
aprendizado e experimentação. Compartilhar a intimidade da “cozinha” de nosso
treinamento e da nossa metodologia de criação foi extremamente renovador e
esclareceu muitas das nossas dúvidas artísticas, na mesma medida que iluminou
muitas de nossas certezas. E vimos nos olhos de nossos colegas que a
experiência foi extremamente renovadora para eles também. Realmente, os grupos
ganham muito quando diminuem as distâncias que os separam. Nesse sentido, não
tivemos apenas uma bela vivência artística, mas também um momento de grande
relevância político-cultural. Não a política mesquinha que cria partidos para
homens e instituições partidas. Mas a boa política onde cada ator tem a possibilidade
de ver a perfeita noção do exercício de sua representatividade junto a seus
colegas de ofício, e onde o verdadeiro propósito do teatro, de criar espaços
mais generosos de interação, reflexão e debates possam aparecer com mais freqüência;
respeitando e estimulando a multiplicidade de tantas diferenças.
Esse é o nosso
propósito. Esse é o propósito do ENCONTROS EN LA BARCA.
Agradecimentos
especiais para pessoas fundamentais para o sucesso dessa primeira edição: Fábio
Freitas, Jiddu Saldanha, Letícia Margarida, Juan Carlos, Carlos Luna, Mariana Ricci, Paulo
Fernando Soares, Anna Lúcia Correa, Ivan Tavares e Silvana Lima.
Fotos:
Mariana Ricci
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