RE-DESCOBRINDO UM TEATRO SENSORIAL A PARTIR DE UMA PESQUISA NARRATIVA – um pouco dos bastidores do processo dos Pequenos Mistérios-



“Em cada ATOR deve haver um ENCENADOR”.   Meyerhold

“Tudo começou com uma pergunta.”

Assim começa o conto A MULHER QUE CONVERSAVA COM A LUA, que faz parte do livro que dá nome a esse trabalho. O processo teatral também começou como se inicia o conto. Norteado por muitas perguntas. Todas essas perguntas giravam em torno dos múltiplos mecanismos e treinamentos físicos que preparavam o ator para a cena, dentro do tipo de teatro que se convencionou chamar de Teatro-Físico ou Teatro-Dança. Há nesses termos, algo que me incomoda. Como se os termos tivessem se tornado com o tempo, mais uma moldura para uma forma.  Como se ao invés de criar novos códigos de linguagem e de representação que espelhassem as mudanças do mundo, esse tipo de teatro apenas reproduzisse e perpetuasse convenções. É o tipo de questionamento que só encontra resposta (ou mais perguntas) dentro da sala de ensaio. Pela singularidade da narrativa e das questões que evoca, o conto transformou-se no lugar ideal onde estamos fazendo os questionamentos apontados. Esse encontro entre o universo fantástico do conto e a realidade questionadora do teatro tem sido a riqueza de um processo de pesquisa que começou em fevereiro de 2014, e se estende ainda hoje, com o espetáculo “pronto”, e ao mesmo tempo aberto a tantas possibilidades.

O diretor Luiz Fernando Lobo fala que o teatro é um diálogo constante entre tradição e ruptura. Devemos saber a que tipo de tradição teatral estamos nos afinando, e com que tipo de tradição queremos romper. Seguindo essa premissa, fomos criando nossos próprios princípios de trabalho a partir das nossas referências. Destaco os encontros com Roberta Carreri, do Odin Theatret e a série de oficinas ministradas por ela – A DANÇA DAS INTENÇÕES; além da oficina de INTRODUÇÃO A BIOMECÂNCIA ministrada por Alexey Levinski (último discípulo direto de Meyerhold);e também,a convivência de mais de quatro anos com o Grupo Moitará. Das referências que nos apontam estudos, identificações e novas questões, destaco o trabalho de Pina Bausch e os escritos de Meyerhold. Cabe ressaltar que é uma jornada onde estamos bem acompanhados das presenças fundamentais de Carolina Virgüez, Matheus Lima e Natalia Mikeliuinas. Os princípios do teatro documental de Carolina Virguez e da Autonomia Artística do Ator pesquisados por Matheus Lima nos ajudaram a entender muito do que estamos criando. E Natalia Mikeliunas nos ajuda a pensar o projeto nas suas múltiplas camadas, desde os desafios da dramaturgia até os desdobramentos do treinamento físico na criação das cenas. 
   
Tendo essas referências como norte, resta perguntar como tudo isso está se traduzindo em linguagem teatral. PEQUENOS MISTÉRIOS  propõe um teatro mais sensorial do que narrativo e esse princípio nos guiou na escolha de alguns caminhos estéticos. A relação literatura-teatro / palavra-teatro é feita a partir do impulso e da investigação corporal; e encontra desdobramentos, re-significações e aprofundamentos na construção, desconstrução e repetição de partituras corporais específicas, criadas em um duplo diálogo com o universo da dança e o universo clownesco (lugar onde se desdobra a busca da personagem-chave por SUA própria língua). Não trabalhamos a partir da criação de personagem. Seguimos a lógica do performer que transita nos mais variados estados físicos para apresentar os múltiplos personagens da história, propondo um jogo cênico que coloca o público em um lugar mental mais ativo e participativo e menos passivo e contemplativo. Cada cena é construída a partir da criação de imagens corporais específicas que transitam entre a metáfora e a sugestão e colocam o espetáculo longe de um caminho realista e perto de um lugar  que transita entre o lúdico e o mítico. A trajetória de Tatiana é assumidamente a trajetória de um herói clássico. E na busca por renovar a simbologia da trajetória do herói, que sempre viveu em estreito contato com o seu tempo e o seu mundo, recorremos a uma busca de linguagem que bebesse na fonte das vanguardas artísticas de Meyerhold e Pina Bausch, que buscaram no seu ofício, uma nova arte com novas abordagens e novas técnicas para responder aos desafios do seu tempo. O período que vivemos oferece um desafio igual, e talvez maior. Nesse sentido, nossa jornada está apenas começando.


Bruno Peixoto Cordeiro – Ator da En La Barca Jornadas Teatrais. Integrante da Companhia Ensaio Aberto 

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