A
UTOPIA TEATRAL
O teatro é a única
utopia possível. Pelo menos para mim. Pelo menos para muitos profissionais e
amadores com quem já trabalhei. O ator é o tipo de pessoa que fica horas e
horas em uma sala de ensaio, acompanhado do furor e da insegurança criativa de outros
tantos artistas, entrando constantemente em contato íntimo com seus próprios
medos e inseguranças e, no dia seguinte, volta ao mesmo local para repetir o
mesmo ritual. Isso não é fácil. Ele faz isso isso porque sabe, ou desconfia, que com o tempo, do seu medo surge generosidade e
de sua insegurança surge intuição e compreensão do seu caminho no mundo. E não
adianta tentar recriar o mesmo árduo processo fora do teatro. Não há no mundo a
mesma fé que se compartilha, em acordo mútuo e silencioso, na sala de ensaios.
Acreditem, eu já procurei e só encontrei olhares incrédulos. O fenômeno da
utopia teatral pertence apenas ao teatro. É algo que se for bem construído pelos
seus artistas na sala de ensaios, pode chegar ao palco (seja ele italiano,
elisabetano, japonês, de rua...). E o palco é a única ponte entre essa utopia e
o mundo. É um segredo que muitos dos seus artistas desconhecem, e o vivem da
mesma forma que os peixes nadam no mar. Naturalmente. E é algo tão democrático
que essa descoberta natural da generosidade e da compreensão é compartilhada
tanto por profissionais, tanto por amadores. O palco é o lugar onde todos são
realmente iguais em suas inúmeras diferenças. Não há hierarquia entre atores.
Há pessoas vivendo suas buscas e encontrando o que cada maturidade consegue
encontrar. E não se enganem como se enganam os “festeiros” teatrais. Essa
maturidade esconde constância, disciplina, respeito e paixão ardente e
silenciosa. Hoje eu sei que cada ator recebe do teatro o que livremente para o
teatro oferece, contrariando muitas pessoas que o abandonaram dizendo que “o
teatro nunca me deu nada”. Essas pessoas simplesmente se deram por satisfeitas
com o que já viveram e descobriram. Quem fica ao longo de muitos anos são os
insatisfeitos. Os insaciáveis. Os sedentos de utopia. E a esses, o teatro reserva um outro papel. Nunca nos sacia de todo. Deixa no fim de cada processo uma sensação de
dever cumprido, ao mesmo tempo que nos aguça o apetite para buscar mais e mais. Mais e sempre.
Dá-nos a intuição do passo seguinte a ser trilhado, o mesmo passo que nos dará
mais fome. Ele nos retribui, e ao retribuir, nos torna, com o tempo, tão
naturais quanto desejaríamos ser. Como os peixes nadando no mar. Como os lobos
caçando na selva. Como as aves buscando o céu. Assim é o ator. Vivendo
naturalmente, na sala de ensaio e no palco, a utopia da generosidade e da
compreensão que não consegue viver no mundo. O teatro nos mostra que essa
utopia é possível. Viver de teatro, portanto, não é uma utopia. É mostrar na
prática que ela é possível.
Bruno Peixoto Cordeiro
fevereiro de 2013
(essa reflexão foi feita ao longo do processo de ensaios de PERDOA-ME POR ME TRAÍRES com a CIA TEATRAL CASA DOS AZULEJOS de São Pedro da Aldeia. a eles, meu carinho e gratidão)
(essa reflexão foi feita ao longo do processo de ensaios de PERDOA-ME POR ME TRAÍRES com a CIA TEATRAL CASA DOS AZULEJOS de São Pedro da Aldeia. a eles, meu carinho e gratidão)
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